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DESPEJO

A reportagem do Coletivo Artigo 19 pretende levar você para dentro do universo

dos despejos na pandemia por meio de diversos conteúdos imersivos e histórias reais

Já imaginou perder o lar? 

Despejos na pandemia

Por: Carina Gonçalves e Isabela Alves

Os despejos no Brasil aumentaram por causa da pandemia da Covid-19 e refletem um cenário de instabilidade política, econômica e social em ordem mundial. 

Cerca de 19 mil famílias foram removidas durante a pandemia no Brasil e mais de 93 mil foram ameaçadas de despejo, entre março de 2020 e agosto de 2021. Os dados fazem parte de um mapeamento realizado desde junho de 2020 pela Campanha Despejo Zero.

Mais que números, essas pessoas são sobreviventes. Trata-se de  famílias abandonadas pelo poder público e  em vulnerabilidade diante de um dos momentos mais críticos da história da humanidade: a pandemia de Covid-19, que já matou mais de 600 mil pessoas no Brasil. 

Sem renda para pagar o aluguel e comprar os alimentos básicos, muitas famílias encontraram uma alternativa de subsistência vivendo nas ocupações. Mesmo tendo conquistado um teto, continuam a viver de maneira precária.

 

Segundo informações do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), analisadas pelo Lab Cidades, houve 10 mil decisões favoráveis aos despejos em 2020, representando 77% do total das sentenças.




No caso desse gráfico, vale notar que o crescimento das sentenças coincide com o momento mais crítico da pandemia, ou seja, com o pico de mortes e internações por Covid-19 em São Paulo. Isso significa que no momento em as pessoas precisavam estar abrigadas, protegidas e com distanciamento social, elas eram despejadas e ficavam ainda mais expostas à contaminação e também à transmissão do vírus.

 

Outra relação que pode ser feita é com os períodos mais duros de quarentena. Como se não bastasse a pandemia e o agravamento das dificuldades financeiras, as famílias ainda eram jogadas nas ruas.

 

Ao longo da matéria as pessoas que foram despejadas contam a  rotina depois do despejo, além das histórias de vida e de lutas por moradia. O leitor também conhecerá um panorama dos dois Projetos de Lei (PL) criados durante a pandemia para barrar os despejos, dados e infográficos que oferecem detalhes do cenário atual.

Fonte: Lab Cidades

VILA DA PAZ
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Ocupação Vila da Paz: um retrato dos despejos durante a pandemia

Por: Carina Gonçalves e Isabela Alves


Sem alternativa de moradia, 80 famílias que vivem na ocupação Vila da Paz, zona leste de São Paulo, decidiram construir as próprias casas em um terreno baldio localizado na Rua Pavonia, altura do número 13, na Vila Prudente. A liderança local Marina de Lourdes, de 56 anos, alega que está prevista a chegada de mais 70 famílias.  

 

Os moradores se ajudam a construir casas de madeira com materiais doados. Em 9 de outubro, por exemplo, os residentes se uniram para instalar um poste de madeira para distribuir energia nas casas.

 

"O povo é bem unido e todos estão no mesmo objetivo de ter uma moradia digna. Todo o dinheiro que conseguimos investimos na luz, na água e futuramente queremos colocar um concreto. A gente quer viver em paz e essa vai ser uma comunidade abençoada por Deus“, diz Fábio Ferreira do Nascimento. Com 33 anos, Fábio mora em ocupações há 14 anos. O último emprego dele foi como porteiro em um dos prédios da Receita Federal de São Paulo. Mas, atualmente, está desempregado. 


 

Os moradores da Vila da Paz vivem isolados do restante da periferia do Jardim Guairaca. A entrada da ocupação fica em uma rua sem saída e é acessada por uma estrada de terra. Quando chove, a lama dificulta ainda mais o trajeto até a entrada na parte das casas. 

 

A área tem posse dividida entre a Subprefeitura da Vila Prudente e a empresa JBL Empreendimentos Imobiliários Ltda. Esse terreno era utilizado antes da chegada dos atuais moradores para descarte de resíduos como entulhos, restos de construção e lixo. A área estava abandonada desde 1979. A ocupação começou em 2007, há 14 anos. Com a pandemia, 

a maior parte dos moradores chegou há quatro meses  no local, por estarem desempregados e sem dinheiro  para pagar  aluguel.

“Nem a própria Prefeitura sabe demarcar a área municipal e a particular. A última ameaça de reintegração de posse foi administrativa, onde a própria subprefeita [Elisete Aparecida Mesquita] tomou a iniciativa e colocou cerca de 18 viaturas, com 4 policiais em cada uma, 4 retroescavadeiras e meia dúzia de caminhões”, afirma Alexandre Bonfim, conhecido como Kiko,  dirigente da Central de Movimentos Populares.

A última liminar judicial expedida pela Segunda Vara Cível da Vila Prudente para destruir as casas e fazer a reintegração de posse foi derrubada pelo movimento popular em 25 de setembro de 2021. O Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos atua juridicamente para garantir que o direito de permanência no local seja preservado.

“Estamos resistindo aqui para que haja um entendimento entre as famílias e o Governo, porque se existir um projeto habitacional aqui, as famílias serão atendidas na área em que já têm as vidas consolidadas”, diz Kiko. 

 

O ativista afirma que a principal luta é para que o terreno seja regularizado e urbanizado para que a população tenha acesso aos serviços essenciais, como ambulância, bombeiros e  coleta de lixo. 

 

 

 

 

 

 

 

 


A falta de serviços básicos como energia elétrica, saneamento básico e segurança afetam a vida da comunidade. A lama vermelha e escorregadia está dentro e fora das casas. Por falta de banheiro interno, os moradores utilizam baldes ou sacolas plásticas. Muitas pessoas relatam que a falta de condições adequadas de higiene atraem ratos e, com isso, temem contrair doenças graves. 

“O meu maior sonho é voltar a trabalhar, ter uma vida digna e dar uma vida melhor para a minha filha”, diz Jaciara Lodovico, mãe de Gabriele Romualdo, de seis anos. No futuro, a menina quer se tornar bombeira, porque gosta de cuidar das pessoas e não gosta de ver ninguém doente. A vizinha é a irmã, Thauany Silva, com os dois sobrinhos, Everton Daniel Gonçalves, de 12 anos e Rebeca Gonçalves Silva, de 6 anos.

Dentro e fora da casa dos moradores




 

 

 

 

 

 

 

 

 

As ameaças de despejo são frequentes 

A Subprefeitura de Vila Prudente tentou uma reintegração de posse do local, sendo que na última ocasião foram 27 barracos derrubados. Os moradores relatam que ambas operações ocorreram sem aviso prévio. 

“Isso aqui [a casa] vale muito. Nesses dias, eles vieram [Prefeitura] e falaram que iriam derrubar tudo, então eu tirei tudo o que tinha de valor e deixei só o básico. Quem não estivesse morando na casa, iriam derrubar com tudo que tinha dentro e levar as nossas madeiras”, relata Giovanna Moreira Alves, 23 anos, que trabalha em uma cooperativa separando recicláveis. Ela vive com o seu filho de 5 anos e o companheiro. 




















Ana Paula da Silva,  43 anos,  mora na ocupação há cinco meses. Ela trabalha com reciclagem e mora com o marido e dois filhos. Com o salário de mil reais, ela não conseguia comprar alimentos básicos e pagar  aluguel ao mesmo tempo. Quando chegou a pandemia, em março de 2020, o casal ficou desempregado e sem nenhuma renda.  

“Nem o meu marido e eu conseguimos o auxílio emergencial, porque a nossa empresa não tinha dado baixa na nossa carteira. Eu também perdi o meu bolsa família, porque o trabalho era registrado. É uma pressão horrível quando eles querem derrubar, fico até dor de barriga e só me resta orar a Deus”, conta Ana emocionada. 

Ao lado de outros companheiros, o marido de Ana ajuda na construção de outros barracos nos fins de semana. Ela também colocou a mão na massa e construiu um fogão a lenha para cozinhar almoços comunitários ocasionalmente na ocupação. 












 

MINORIZADOS

Fotos: Isabela Alves

Fotos: Isabela Alves

Vila da Paz: onde os minorizados encontraram um lar

Por: Carina Gonçalves, Ediglei Leandro, Eduardo Mendes e Isabela Alves

Você já chamou alguém de minoria? Sabia que esse termo não é correto? O termo “minorizados” se refere a um grupo historicamente excluído, seja pela orientação  sexual,  raça, origem ou situação econômica.

Na legislação brasileira, raramente se utiliza o termo para caracterizar a situação de vulnerabilidade de grupos minoritários no país. Na época que foi escrita a Constituição Federal, não previa essa definição, mas foram criados artigos que abrangem essa discussão e que colaboram com os direitos fundamentais dessa parte da sociedade brasileira.

Um desses exemplos, é a Lei 7716/89 que estabelece punições para crimes resultantes de discriminação relacionada a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Alguns dos crimes são: impedir acesso a serviços públicos, negar contratação, impedir acesso a cargos públicos, deixar de atender cliente, impedir acesso a transportes públicos, entre outros, por motivo de discriminação já citados. 

Na Vila da Paz a situação não é diferente. A população local é majoritariamente de baixa renda e negra, onde também residem pessoas da comunidade LGBTQIA + e refugiados que sofrem com esse tipo de realidade. 

“Prefiro me assumir e ser quem sou”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rosângela Maria Moreira Alves, de 44 anos, vive na ocupação há quatro meses com a companheira, de 35 anos. Mulheres negras e nordestinas, elas se conheceram durante uma viagem de férias de Rosângela ao Maranhão e se apaixonaram à primeira vista. Decidiram vir para São Paulo e logo foram morar juntas na ocupação. “A gente se ama e vamos casar. Todo mundo aqui me conhece e me respeita, mas porque eu também me dou o respeito”, diz Rosângela. 

 

O barraco foi totalmente construído por Rosângela. Desde o início, ela escavou a terra com a enxada, ergueu toda a estrutura e cuidou até mesmo da decoração, com os bonecos pendurados na parede.

“Ela [a companheira] diz que eu sou muito inteligente e melhor que um homem, e por isso tem ciúmes de mim”, afirma Rosângela, que já estudou psicologia, trabalhou como chef de cozinha e atualmente está no ramo de estofados. Para o futuro, ela quer construir um quarto e um banheiro na parte de cima do barraco, pois no momento elas precisam dormir em um colchão de ar ou na rede.

Elas dizem que são felizes e que são respeitadas pela comunidade, mas não trocam beijos e carinhos em público. Na ocupação, existe apenas um outro casal homoafetivo, sendo as tias de Rosângela. 

 

Em 2019, aconteceu um grande vitória para a comunidade LGBTQIA+, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a criminalização da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Com a decisão, o Brasil se tornou o 43º país a criminalizar a homofobia e transfobia, segundo o relatório "Homofobia Patrocinada pelo Estado" da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais. Até que o Congresso Nacional volte a votar uma lei específica para crimes dessa natureza, a suprema corte equiparou os crimes de  LGBTFobia com os de racismo, dentro do limite de suas atribuições.


Mesmo assim, as leis que protegem essa população continuam precárias. Um exemplo disso, é o Programa Casa Verde e Amarela, recentemente instituído pelo Governo Federal através da Lei 14.118 de 12 de janeiro de 2021. Nela fica determinada a preferência da mulher cis nos contratos e registros que envolvam a aquisição da moradia familiar por um casal heteronormativo, ou seja, casais homoativos não são assegurados e ficam em meio a um conflito quanto a definição de posse da propriedade.

“Sempre ouvimos falar que no Brasil era bom”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


A única casa de madeira pintada na ocupação em tom de azul claro é onde mora uma família de quatro venezuelanos. Keily Borges, de 26 anos, saiu do país em 2018 buscando melhores condições de vida para os filhos Ezequiel, de 7 anos, e Frank Jr., de 5 anos. A Venezuela vive hoje uma das maiores crises humanitárias no mundo, por conta do agravamento da crise política e econômica que atinge a região desde 2015.

 

Hoje, o Brasil abriga o maior número de venezuelanos na América Latina, são mais de 46 mil pessoas reconhecidas como refugiados no país. Em 2020, os brasileiros receberam 28.899, uma queda de 65% se comparado ao ano de 2019, quando o país recebeu 82.552, segundo dados da Polícia Federal. Isso aconteceu por causa da pandemia, que fez as pessoas permanecerem isoladas para não se contaminarem, reduzindo os deslocamentos territoriais. É importante dizer que o país também recebe refugiados e imigrantes de outros país: 

 

 

 

 

 

 

 

 


Ao chegarem em Roraima, a família de Keily passou a viver em situação de rua e enfrentou muitas dificuldades. “Meus filhos de colo dormiam com a gente no papelão. Lá chove todos os dias, então foi muito difícil”, diz.

Depois deste período, a família foi auxiliada pela Operação Acolhida, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Após conseguir o registro e a documentação, eles foram encaminhados para São Paulo em um avião da Força Aérea Brasileira que dá apoio à operação da ONU.

 

No entanto, ao chegar no Estado, a família alega que não recebeu nenhuma ajuda financeira do Governo e viveu em um abrigo durante cinco meses. O casal começou a trabalhar em diversas funções para garantir o sustento, desde trabalhos com manutenção até auxiliar de limpeza, sempre tomando o cuidado para estar presente na criação dos filhos.

 

Há um ano e meio, o esposo de Keily foi afastado por conta de uma hérnia na coluna e no momento está impossibilitado de trabalhar. Há dois meses, eles chegaram à ocupação por não terem condições financeiras de pagar o aluguel.

Ela afirma que todos os dias é um novo desafio para conseguir alimentos básicos para sobreviver. “A gente consegue, porque Deus ajuda. Tem pessoas que são boas, mas tem pessoas que querem nos humilhar, porque somos imigrantes. A gente já trabalhou de graça sem receber nada por meses”. Apesar dos percalços, a família não pensa em voltar para a Venezuela enquanto o atual presidente Maduro estiver no poder. 

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Foto: Isabela Alves

Foto: Isabela Alves

SÃO CAETANO
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São Caetano do Sul: a cidade com o maior IDH do Brasil transforma moradores em sem-tetos

Por: Ediglei Leandro 


Em meio a maior crise sanitária do século, Covid-19, e mesmo com uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, que determinava a suspensão de ordens ou medidas de desocupação, uma das maiores economias e um dos melhores lugares para se viver no país, São Caetano do Sul, encerrou o pagamento do benefício social do auxílio aluguel e forçou cerca de 110 pessoas a ficarem à própria sorte.

A cidade da região metropolitana de São Paulo no ABC Paulista, acumula prêmios e títulos, entre eles o município brasileiro com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A localidade que tem nota de 0,862 e fica à frente de países como Grécia (0,860) e Chile (0,819). O índice leva em consideração indicadores como renda, saúde, longevidade e educação.

Falando em educação, ela detém a posição de 1º lugar no ranking educacional, além de ser o 6º município mais inteligente do país. Também está entre os 10 municípios mais conectados do Brasil e detém o título de região mais segura do país, conforme o Ranking Connected Smart Cities. A sua liderança também está no pódio das melhores cidades para se viver no Estado de São Paulo e no Brasil. Dentre outros, o município fica na posição de número 48ª dos maiores PIBs do Brasil e na 8º colocação de maior renda per capita por habitante - inclusive levando crianças e pessoas sem renda em consideração - segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas nenhuma dessas honrarias preparou São Caetano do Sul para o que estava por vir: o desabamento do edifício Di Thiene que ficava na esquina entre a avenida Conde Francisco Matarazzo e a rua Heloísa Pamplona, no bairro Fundação. Dois anos depois, com o fim do auxílio aluguel e sem o cumprimento da promessa de ter uma moradia construída pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), os antigos moradores voltaram a ocupar o terreno em maio de 2021, com a expectativa de restabelecer o auxílio aluguel e acelerar a construção da nova habitação. Mas quem irá contar essa história são os próprios moradores:


















No entanto, cerca de 12 dias depois da ocupação, uma nova decisão judicial pegou os moradores desprevenidos. O Tribunal de Justiça de São Paulo determinava reintegração de posse do terreno, onde ficava o antigo edifício di Thiene. Em sua decisão, a juíza Ana Lucia Fusaro obrigava o município a garantir condições mínimas de habitação e moradia por conta da pandemia, obrigação essa que foi descumprida pela prefeitura.

A Deputada Federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) se manifestou sobre a decisão e declarou: "despejo na pandemia é crime! Todo meu apoio aos moradores da ocupação que foram despejados pela prefeitura e ficaram sem acesso a comida e moradia. A ação da Guarda Civil Municipal (GCM) foi truculenta e violou os direitos dos moradores. Essas famílias mereciam respeito.”

 

Como resposta, os moradores ocuparam o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) na rua Heloísa Pamplona, um quarteirão à frente do antigo prédio demolido. Para muitos moradores esse era um grito de socorro já que não tinha mais para onde ir.


















A conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Luzia Paula Cantal, e membro do Núcleo de Ações Emergenciais e de Defesa de Direitos Ameaçados da Comissão de Direitos Humanos entende que ordens de reintegração de posse, neste momento - seja de ocupações antigas ou recentes -, fere preceitos fundamentais a serem assegurados, como os direitos à saúde, à vida e à moradia. Para ela, “a ausência de local adequado para o reassentamento das famílias em condições dignas e sanitariamente apropriadas, especialmente no que diz respeito à manutenção do isolamento social necessário, é um problema de saúde pública, diante do risco real de uma terceira onda de contágio.”

No dia 4 de junho em uma nova decisão, a Justiça de São Paulo deu um prazo de 24 horas para que a Prefeitura de São Caetano do Sul transferisse as famílias da ocupação do prédio do CRAS para um espaço digno, com alimentação e higiene sob pena de multa diária de R$ 10 mil, em caso de descumprimento. Contudo, no dia seguinte a prefeitura conseguiu que o juiz Osvaldo Luiz Palu suspendesse a decisão liminar, mas manteve o plano de levar os moradores ao local com melhores condições.

O espaço escolhido para abrigar os moradores era o Clube Recreativo Esportivo Fundação, mas a estrutura montada era muito menor que o número total de moradores do antigo edifício. Com isso, novamente, os moradores passaram a ocupar o lugar como forma de protesto e pressão.   

À época, a prefeitura disse que os “ocupantes não originários do edifício Di Thiene invadiram o espaço, onde se encontravam de forma irregular”. Para assegurar a segurança de todos, a prefeitura posicionou equipes da GCM na entrada do local para impedir o retorno dos ocupantes que saiam para trabalhar e retornavam à noite. Assim, formaram-se dois grupos: os enclausurados no clube e os impedidos de entrar. Sem alternativa as pessoas passaram a dormir na rua e a contar com doações.











 









Em nota divulgada em agosto, a Prefeitura de São Caetano alega que apenas 4 das 60 pessoas que invadiram o local estavam abrigadas. As outras deixaram o espaço por livre e espontânea vontade. De acordo com a Prefeitura, a Guarda Civil foi até o local apenas para preservar o patrimônio público e tentou encaminhar as famílias para um abrigo municipal, mas elas não aceitaram. A Prefeitura disse ainda que distribuiu cestas básicas aos ex-moradores do edifício Di Thiene. Já no final do mês, o abrigo foi definitivamente fechado.

Os antigos moradores foram convocados a comparecer à Câmara de Vereadores da cidade até o dia 10 de setembro para fornecer documentos para cadastro, que iriam  balizar a votação de um novo projeto para restabelecer o auxílio-aluguel. O Coletivo 19 procurou a casa parlamentar para questionar sobre o andamento do projeto, mas foi informado que apenas recolheu os documentos e que o projeto sobre a retomada do auxílio emergencial para as famílias do edifício deverá ser encaminhado pela prefeitura e que, até o momento, ainda não havia chegado na Casa Parlamentar.

O mandato das “Mulheres por Mais Direitos” (PSOL-SP) da câmara municipal de São Caetano do Sul, que faz oposição ao atual governo da prefeitura, informa que acompanhou durante muitos meses a luta dos antigos moradores do Edifício Di Thiene. E que serviu de ponte entre o poder público e a sociedade civil, e fiscalizando a atuação (ou a ausência dela) do poder executivo.

“Vimos as dificuldades que os moradores já vinham passando com a falta do auxílio:  pessoas que, além de terem perdido suas casas e pertences, também estavam sofrendo por não ter nenhum suporte financeiro por parte da prefeitura. Esse mês, o prefeito resolveu pagar três meses de auxílio moradia e ceder o terreno para a CDHU. Porém, a prefeitura já empurrou bastante esse problema com a barriga, e agora fica a expectativa de que realmente seja cumprido”, dizem as vereadoras.


A reportagem também questionou a prefeitura sobre a decisão de pedir ações de despejos em meio a pandemia de Covid-19, bem como explicações sobre o andamento das obras das novas unidades habitacionais e sobre o que tem feito para dar assistência aos munícipes, mas não obteve resposta.

Onde tudo começou

Fazia frio, cerca de 15 graus, já passava das nove horas da noite do dia 08 de junho de 2019, quando uma das lajes do Edifício Di Thiene, no bairro Fundação, em São Caetano do Sul, veio abaixo. O resultado: 8 feridos, segundo o Corpo de Bombeiros, e 102 desabrigados, segundo a Defesa Civil do Município.

De forma emergencial, a prefeitura da cidade à época abrigou os moradores em hotéis da região e posteriormente disponibilizou 120 vagas em abrigos públicos para os moradores do prédio. “As famílias receberão três refeições diárias e terão acesso à assistência social, médica, psicológica e segurança permanente”, dizia a prefeitura na data do acontecimento. Horas depois, o órgão também determinou a interdição total da construção por questões de segurança aos moradores e comunidade ao redor.

Cerca de dois meses depois, os laudos emitidos pela Defesa Civil de São Caetano, pela Polícia Científica do Estado de São Paulo e pela Secretaria Municipal de Obras e Habitação atestavam a impossibilidade de recuperação do imóvel, cuja estrutura encontra-se condenada. Com isso, uma decisão da Primeira Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, autorizou a prefeitura e os demais órgãos competentes a demolir o prédio.

No despacho, a juíza Érika Ricci considerou o “iminente desabamento do restante das estruturas do imóvel, o que representa grave perigo aos imóveis lindeiros, aos transeuntes e à via pública”. Por meio de nota, o poder executivo da cidade alegou que um “laudo técnico de inspeção predial, elaborado pela Prefeitura, classifica a edificação como de “grau de risco crítico, principalmente nas condições encontradas na cobertura e teto, que possuem impacto de desempenho tecnicamente irrecuperável”.

Porém, a prefeitura deixou de comunicar que na mesma decisão a juíza também destacou a ausência do poder público ao contribuir para esse cenário, uma vez que deixou essa situação se arrastar por décadas e por se omitir ao não exercer seu poder de fiscalização. A magistrada também estabeleceu que cabia à prefeitura garantir aos munícipes condições mínimas de bem estar social.


Por outro lado, a câmara de vereadores criava o Decreto de número 11447/2019, aprovado em votação em dois turnos na casa legislativa, para conceder 18 parcelas de auxilio emergencial, sendo a primeira no valor de 800 reais e as demais de 400 reais até que a situação dos moradores pudesse ser resolvida.

 

No dia 03 de setembro de 2019, a prefeitura e a CDHU estabeleceram um acordo para finalmente resolver a questão. O município ofertava dois terrenos e pagaria o auxílio aluguel, já a companhia do estado se encarregaria das construções habitacionais, mas quase 4 anos depois a promessa nunca saiu do papel.  Sobre a construção das novas moradias, a CDHU disse que aguarda a prefeitura complementar e finalizar o envio da documentação dos terrenos ofertados.

Podcast: Você sabe qual é a função social dos terrenos? 

 

 


 








 



Muita casa sem gente e muita gente sem casa: a luta dos movimentos sociais por moradia no Brasil

 

Por Beatriz Castro e Mayala Fernandes

 

A atuação dos movimentos sociais estão espalhadas por todo o território nacional brasileiro e as atividades desempenhadas se diferenciam de acordo com o conflito fundiário encontrado em cada localidade.


“Cada local tem a sua peculiaridade. Quando nós falamos de uma pauta urbana, estamos muito mais preocupados com a questão dos despejos e as ameaças de remoções. Já quando analisamos o cenário rural, nós sabemos que existem áreas que enfrentam mais conflitos. As comunidades tradicionais têm sido ameaçadas e sofrido muito com a invasão dos seus territórios”, explica Daisy Ribeiro, assessora jurídica na ONG Terra de Direitos.


Com a intenção de alertar para as ações de despejos e remoções, a Terra de Direitos, organização nativa da cidade de Curitiba, atua na Amazônia, no Cerrado e na Região Sul com assessoria jurídica popular. A ONG integra a Campanha Despejo Zero junto a mais de 100 movimentos e entidades sociais que alertam para o aumento de 310% no número de despejos, entre agosto de 2020 e agosto de 2021. Os estados com o maior número de despejos são Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas e Paraná, respectivamente. 

 

 

 



Rio de Janeiro

Os movimentos de luta por moradia têm ajudado diversas famílias que sofrem com a falta de um teto. Entre 2020 e 2021, os movimentos colaboraram com diversas doações, entre elas alimentação e água potável.

Para Marcelo Edmundo, coordenador da Central Nacional de Movimentos Populares, a situação ainda é muito grave. “As pessoas não têm como cozinhar, porque não tem como pagar o gás. Muitas pessoas cozinham com álcool, o que causa muitos acidentes e a gente inclusive conseguiu em uma ação, vender o botijão de gás a 40 reais”, diz.

O Rio Janeiro é o estado com o maior índice de despejos durante a pandemia de Covid-19, com 4.862 famílias removidas. Edmundo atribui esse número ao histórico do estado que é marcado por grandes despejos. “Desde a época da Reforma Urbana Pereira Passos, no início do século 20, depois com o governador Carlos Lacerda e com o atual prefeito Eduardo Paes, o estado do Rio de Janeiro sempre foi marcado por despejos'', conta.

A Copa do Mundo de Futebol Fifa 2014 do Brasil e os Jogos Olímpicos do Rio 2016 contribuíram para esse histórico. Diversas famílias foram desalojadas de suas casas para que fossem construídos espaços esportivos ou vias de acessos aos estádios. De acordo com o Dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro de novembro de 2015, 22.059 famílias foram removidas na cidade do Rio de Janeiro, totalizando cerca de 77.206 pessoas, entre 2009 e 2015, conforme dados apresentados pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em julho de 2015.

De acordo com o coordenador, já em 2021, o número de famílias despejadas continua crescendo, assim como o número de ocupações, sejam elas organizadas por movimentos ou independentes. A defesa da pauta por moradia ainda não é suficiente, já que no Estado do Rio de Janeiro não existe um programa efetivo para moradia, completa ele.


Alguns parlamentares, como o vereador Reimont (PT-RJ), defenderam a iniciativa do poder público em  garantir os direitos humanos essenciais da moradia, do trabalho e da terra. "No Rio, como em todo o Brasil, sobram habitações abandonadas, largadas à deterioração, enquanto aumenta o número de pessoas sem teto ou morando precariamente. É muita casa sem gente e muita gente sem casa.” declarou ele na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que aconteceu na Câmara Municipal do Rio de Janeiro no dia 15 de outubro de 2021. 

São Paulo

O segundo Estado que aparece no ranking é São Paulo. A região mais rica do Brasil tem o índice de 4.622 famílias despejadas, de março de 2020 até agosto de 2021.

Maria das Graças Xavier, conhecida como Dona Graça, faz parte de movimentos sociais de habitação na região sudeste do país e é coordenadora da União Nacional. Segundo ela, os movimentos têm substituído o poder público neste período de incertezas e empobrecimento da população. 

“Não era nossa intenção substituir, até porque sabíamos que era dever do poder público, inclusive garantido na nossa constituição a saúde, a moradia, educação, mas infelizmente agora na época da pandemia percebemos que eles não faziam nada disso.” diz Maria Graças. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, há um déficit de 500 mil moradias no estado.

Guilherme Brasil, coordenador estadual do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), culpa a grande taxa de desemprego no país decorrente da pandemia de coronavírus. “Uma quantidade de demissão absurda, as pessoas têm dificuldade em pagar aluguel e ainda tem alimentação e as contas da casa. Isso fez a classe trabalhadora diminuir muito a condição de vida”, ele diz.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2021 não teve um grande percentual de melhora nos índices de desemprego no estado de São Paulo. A taxa de desocupação, que no início do ano era de 14,6%, caiu apenas  2% no segundo trimestre, passando para 14,4%. No Brasil, o dado mais recente apresentado pelo Instituto, a taxa de é de 14,1%.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Amazonas

A luta por moradia no Amazonas enfrenta despejos, riscos de contaminação pelo coronavírus e ameaças de remoção forçada. O estado ocupa o terceiro lugar em número de despejos, mas se encontra em segundo quando se trata de ameaças de reintegração, ficando atrás apenas de São Paulo, com 3.080 famílias ameaçadas.

Além de se destacar nos números de despejos e ameaças, o estado também apresenta registros alarmantes de moradias. São mais de 393.995 aglomerações em palafitas, ocupações e loteamentos, locais com difícil acesso a saneamento básico e serviços essenciais. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e mostra que o estado ocupa a 5ª posição entre as unidades da federação com mais domicílios em aglomerados subnormais.

Na capital Manaus a falta de moradia e a luta pela ocupação do espaço urbano desafiam os líderes de movimentos sociais em busca de alternativas e soluções diante do estado brasileiro.

O Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) se organizou no Amazonas em 2010, desde então constrói uma militância focada na luta por moradia, mas também aborda questões como saneamento, reivindicação por equipamentos comunitários e transporte público.

Neila Gomes dos Santos, dirigente executiva do MNLM e militante por moradia no estado, conta que a atuação do movimento acontece através da estratégia de cerco urbano, ou seja, os militantes ocupam prédios públicos e/ou travam a circulação de mercadorias e pessoas para que tenham força política na pauta de habitação.


“Historicamente a nossa luta foi contra os despejos, buscamos suspender as reintegrações e realizar intervenções na mesa de negociação. Nós nunca deixamos de intervir e garantir o território para o nosso povo na periferia”, afirma Neila.

O Movimento Nacional de Luta por Moradia também possui uma atuação intensa na discussão sobre a privatização do saneamento básico. “Manaus é uma cidade quente, onde temos que tomar três banhos por dia, a gente soa muito. É uma judiação privatizar o saneamento em um lugar tão cheio de corpos d’água, de mananciais e de rios”, diz Neila Rodrigues.





























Paraná
 

O Paraná é o quarto estado com maior número de despejos, com 1.656 famílias despejadas até agosto de 2021 e 3.270 famílias ameaçadas de remoção.

Longe dos símbolos de cidade modelo, Curitiba, a capital paranaense revela um cenário de precariedade, exclusão e espoliação urbana nas áreas distantes do centro urbano. A metrópole reúne mais de 450 assentamentos irregulares, com cerca de 50 mil domicílios ali localizados, de acordo com o Plano Estadual de Habitação de Interesse Social (PEHIS).

O Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) surge da necessidade da população em conquistar a casa própria. O principal objetivo é ocupar a terra e destiná-la para construção de moradias, ou imóveis urbanos que estejam desocupados e não cumpram sua função social.

Hilma de Lourdes Santos, coordenadora estadual do MNLM, está na luta por moradia há 26 anos. Sua atuação teve início quando ocupou a Vila União, em Almirante Tamandaré, município da Região Metropolitana de Curitiba. “No Paraná falta vontade política para que não ocorra tanto despejo. E não digo só a nível de governo estadual, mas municipal também. Prefeitos fazem jogo sujo de uma cidade perfeita, mas na realidade invisibilizam famílias pobres, que não têm onde morar”, revela Hilma.

O estado possui um déficit habitacional estimado em 322 mil casas, segundo o PEHIS realizado pela Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohapar). Das famílias que aguardam atendimento de programas habitacionais, 85% possuem indicador de renda de até três salários mínimos.

Durante o período de pandemia, a luta dos movimentos sociais por moradia precisou ter o dobro de resistência. Hilma conta que nesse período a batalha principal é para que as pessoas não sejam despejadas. “Costumam dizer ‘fique em casa’, mas ficar em casa como se muitas vezes as pessoas não têm onde morar?”, questiona.

A assessora jurídica Daisy Ribeiro explica que no estado faltam alternativas para as famílias que enfrentam o aumento do aluguel e a perda da fonte de renda. “Por isso várias ocupações foram surgindo e com isso muitas remoções administrativas foram realizadas, ou seja, sem nenhum procedimento ou ordem judicial”, diz.

Quando ocorrem reintegrações de posse nas áreas ocupadas pelo movimento existe a preocupação em negociar para evitar que o despejo seja realizado. Caso a negociação não seja favorável, a ocupação se desloca para outra área e procura o poder público para que as famílias despejadas sejam amparadas, na maioria das vezes através de aluguéis sociais.

“A população mais pobre está sofrendo muito e não possui perspectiva, então se os despejos forem retomados sem nenhum viés de enfrentamento de vulnerabilidade, nós vamos ver muitas violações de direitos humanos, porque as pessoas irão ficar na rua mesmo”, conclui Daisy Ribeiro.













 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Suspender os despejos na pandemia nunca foi uma opção,

mas agora é uma realidade
 

Por Ediglei Leandro
Colaboração de Beatriz Castro e Mayala Fernandes


Faz muito frio, o lugar é muito barulhento e é margeado por lixo e pichações. Em dias de sol, o cheiro de urina, esgoto e o calor no local são insuportáveis. E quando ameaça chover, logo se vê os transeuntes correndo para fugir das inundações e lamaçais que se formam na região, dizem eles.
Dias depois um acontecimento muda a rotina, um ônibus pega fogo devido a uma pane no motor. Essa é a realidade que nossa reportagem encontrou ao visitar a casa da senhora Sônia Pereira da Costa, 38 anos, dentro do viaduto do Pacaembu na Barra Funda, São Paulo.

Sônia está desempregada e mora no viaduto a cerca de 1 ano e meio com seus dois filhos, um jovem de 9 anos e o outro 4, após não conseguir mais pagar o aluguel em uma casa na zona leste de São Paulo. Para ela, morar ali é a única saída: "Eu recebi o auxílio por dois meses, mas era impossível pagar aluguel, água, luz e ainda conseguir comer. Eu não tive saída, o jeito foi vir morar aqui onde estou”. É importante dizer que a ocupação conta apenas com 1 banheiro para mais de 60 famílias.

Na Constituição Federal de 1988 a moradia é um direito constitucional. Porém, a realidade é outra totalmente diferente, cerca de 7,8 milhões de brasileiros da população sofrem com o déficit habitacional, segundo dados da Campanha Despejo Zero.

A falta de moradia é um problema para muitos cidadãos, especificamente para aqueles com a  faixa salarial mais baixa do país, cerca de 160 milhões de brasileiros, ou ainda para os que vivem abaixo da linha da pobreza, quase 27 milhões segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo estimativa da própria fundação, a economia brasileira só deve retomar a tendência pré-pandemia a partir de 2025, em seu cenário mais otimista.

 



 

 

 

 

 

 

 

 


Com o início da disseminação do novo coronavírus, a situação piorou. A principal recomendação dada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) foi para que as pessoas permanecessem em casa, mas as ações de despejos não foram interrompidas.  Para buscar resolver o problema, ainda em 2020, a Lei de número 14.010 de 10 de Junho, do Deputado Federal Coronel Armando, foi sancionada em caráter emergencial em virtude da Covid-19. A Lei previa a suspensão ou revogação de medidas de despejos em todo território nacional. Porém, durou pouco, uma vez que tinha data para acabar: 30 de outubro de 2020.

Em uma nova tentativa de reverter esse cenário e ajudar milhões pessoas em situação de vulnerabilidade habitacional, o Congresso Nacional anunciou em 06 de julho de 2021 a aprovação do Projeto de Lei nº 827, que proibia os despejos e as desocupações de imóveis durante a pandemia de Covid-19 em todo o território nacional. O projeto, de autoria do Deputado Federal André Janones (AVANTE-MG), foi votado e aprovado em dois turnos  na Câmara e no Senado Federal, mas não durou. Em exatos 30 dias, após aprovação no Congresso, o 38º Presidente da República do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, vetou totalmente o projeto de lei.

O relator do projeto, Senador Jean Paul Prates, votou pelo acolhimento do projeto, disse em sua relatoria que considerando “as subnotificações desse tipo de estatística, poderemos chegar facilmente a meio milhão de pessoas ameaçadas de despejos e remoções forçadas durante este ano, daqui para o final do ano”. E conclui dizendo que se a pandemia impõe restrições ao regular funcionamento do Judiciário o mesmo também deve acontecer com os atos processuais para que todas e todos possam ter apoio público na obtenção de um teto.

A coordenadora em Incidência Política da Habitat, Raquel Ludermir, argumenta que a moradia deve ser vista como um Direito Humano, um Direito Constitucional, e que nos dias de hoje também é uma questão de saúde pública. E completa “o que se observa é uma medida que abre precedente para que mais e mais despejos sejam executados e que cada vez mais famílias precisem se abrigar de forma inadequada, como já vem acontecendo, seja na casa de familiares, seja com a corda no pescoço para pagar o aluguel ou, pior, na rua.” 

 

Para justificar a decisão, a Secretaria-Geral da Presidência da República informou que com o objetivo de adequação do projeto ao interesse público, o presidente, após manifestação de seus ministros, dentre eles a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, decidiu vetar integralmente o PL. Segundo comunicado, embora tenha boas intenções o projeto contrariaria o interesse público, já que a suspensão de atos de judiciais podem implicar em desocupação fora do prazo previsto, o que daria um salvo conduto para ocupantes irregulares que com caráter de má fé levaria as discussões judiciais a se arrastarem por anos ou consolidar as ocupações.

Os autores desta reportagem procuraram a liderança parlamentar do bloco “Parlamentar Unidos pelo Brasil”, que reúne 24 dos 81 senadores, a Senadora Mailza Gomes (PP-AC), para explicar os motivos que levaram a votar contra o projeto, mas até o fechamento desta matéria não tivemos resposta.

“O Presidente tem o direito de vetar os projetos de lei total ou parcialmente, segundo o parágrafo primeiro do artigo 66 da nossa Constituição Federal. Mas o mesmo artigo estabelece que o veto seja apreciado em sessão conjunta, dentro de 30 dias a contar do seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. O veto pode ser derrubado pelo Congresso, isto é, a vontade do Congresso pode prevalecer sobre a do Presidente”, diz Marcelo Figueiredo, advogado e professor associado de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 

 
Para tentar frear os despejos, estados e municípios articulam leis e decretos próprios para evitar ações judiciais que coloquem seus moradores na rua. Ludermir alerta que mesmo nos estados onde não se têm leis específicas é possível se segurar a liminar, apesar da tensão crescente de novas ameaças após o período de pandemia.

Ela se refere a liminar 828 do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que determinou a suspensão por seis meses de ordens ou medidas de desocupação de áreas que já estavam habitadas antes de 20 de março de 2020, quando foi aprovado o estado de calamidade pública. Para ela, a pauta central é que o direito à moradia deve ser assegurado e resguardado, não só durante a pandemia mas depois também.

Em seu parecer, o Ministro Barroso diz que "diante de uma crise sanitária sem precedentes e em vista do risco real de uma terceira onda de contágio, os direitos de propriedade, possessórios e fundiários precisam ser ponderados com a proteção da vida e da saúde das populações vulneráveis, também os riscos de contaminação da população em geral. Se as ocupações coletivas já se encontram consolidadas há pelo menos um ano e três meses, não é esse o momento de executar a ordem de despejo". Por fim, Barroso usa os dados da Campanha Despejo Zero para embasar sua decisão.

Os dados mais recentes da Campanha Despejo Zero mostram que o número de famílias ameaçadas ou despejadas desde o início da pandemia já somam 113.360 mil. Se comparado aos 12 meses pré-pandemia, o número não chegava a 46 mil famílias, segundo dados do Fórum Nacional de Reforma Urbana para o Panorama Nacional dos Conflitos 2019 e 2020.

 

São Paulo, o estado que não para


















 






 

Em São Paulo, segundo estado com o maior número de ações do país, o projeto de lei 146/2020 que tentava impedir os despejos no estado chegou a ser votado e aprovado pela Assembleia Legislativa, mas foi vetado pelo governador João Dória (PSDB). 


O projeto de lei é de autoria da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) que justifica a urgente necessidade da aprovação do texto com base em outros países que foram atingidos pela epidemia de coronavírus. “Milhares de famílias estão hoje ameaçadas de despejos e remoções forçadas. Os processos de remoção, além de gerar deslocamentos de pessoas, também as obrigam a entrar em situações de maior precariedade e exposição ao vírus, como compartilhar habitação com outras famílias e, em casos extremos, a morarem na rua”, explica Brandão.

A deputada também relata como agravante da pandemia as consequências econômicas da paralisação dos serviços decorrentes das medidas de confinamento, as quais também afetam negativamente as famílias, acarretando agravamento das  dificuldades para pagar aluguel ou prestações da casa.






















 



Em resposta, o governador explicou sua decisão em publicação do Diário Oficial, em 29 de julho de 2021. Para ele, "o cenário atual é consideravelmente diferente daquele que havia quando da apresentação do projeto. Conquanto permaneça a necessidade da adoção de medidas de prevenção, estão disponíveis imunizantes e a vacinação segue com rapidez”. Ainda segundo o texto oficial, o projeto “apresenta contrariedade ao interesse público”. Também procuramos o Deputado Estadual Sérgio Victor (Novo), líder do partido na assembleia para comentar a posição contra o projeto de lei, mas até o fechamento desta matéria não tivemos retorno. 


A coordenadora em Incidência Política da Habitat alerta que é importante entender que os despejos não pararam.

“Parou tudo: parou escola, parou comércio, parou shopping, mas os despejos não, mesmo no momento em que todas as recomendações são: fique em casa. É nesse momento que a gente vê milhares de famílias sendo despejadas”.

 

Ela ainda diz que além dos despejos terem aumentado e ganhado velocidade, o que se vê é o aumento dos despejos administrativos que não passam pelo sistema de justiça. “São despejos causados pelo próprio Poder Executivo, Prefeitura e Governo do Estado, como é o caso de São Paulo, que também tem uma postura parecida com a do Presidente da República”, diz.

Guilherme Boulos, professor, político e membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), concorda com essa visão e acrescenta que essas pessoas seguem sendo expulsas seja pelo aumento do preço do aluguel, seja por despejo ou seja por incêndios criminosos que atingem comunidades. "O Estado, ao invés de se contrapor a essa lógica de produção urbana, a reforça".

Um dado que confirma essa informação é o número de ações com pedidos de despejos que aumentaram em 79% no estado, segundo dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) obtidos pelo Uol e confirmados pelo Artigo 19. Somente nos 3 primeiros meses de 2021 foram registradas 8.417 ações contra 4.696 no mesmo período de 2020.

As fontes ouvidas pela reportagem confirmam que a principal causa das ações de despejo no país são causadas pela incapacidade de pagamento dos aluguéis, em parte causada pela perda de renda e de trabalho durante a pandemia. Para Marcelo Neri, doutor em economia e diretor da FGV Social, no parecer “Bem-Estar Trabalhista, Felicidade e Pandemia” encaminhado pela fundação a reportagem, os mais atingidos pela pandemia são os trabalhadores que dependem da presença da população nas ruas para captar renda ou trabalhar. “Olhando mais uma vez para o período do primeiro trimestre de 2020 e o primeiro de 2021, vimos que a média geral de renda caiu 10,89% enquanto que entre os mais pobres a queda de renda foi 20.81%, quase duas vezes maior que a da média geral'', explica.


“Meu aluguel pode esperar”

Seu Dorgival dos Santos, encanador de 59 anos,  que atualmente vive de forma autônoma alugando casas na zona norte de São Paulo, conta os desafios enfrentados com  os inquilinos em meio à pandemia de coronavírus. “Olha, eu sei que muitos estão com dificuldades financeiras e sem trabalho, é uma realidade. Muitos não têm como pagar a locação, eles são obrigados a fazer uma escolha:  comer ou pagar o aluguel do mês e eu também não posso jogá-los na rua", diz Dorgival que isentou alguns de seus clientes por 3 meses de realizarem pagamentos com, nas palavras dele, o intuito de ajudar para que todos possam superar logo essa crise e se erguer.   

Eu vou ficar na minha casa, pelo menos por enquanto!
PL que proíbe despejos até o fim de 2021 é restabelecida


O Congresso Nacional, em Brasília, rejeitou, em 27 de setembro, o veto do Presidente da República, Jair Bolsonaro, ao Projeto de Lei 827, popularmente conhecido como PL contra os despejos. A votação aconteceu nas duas casas parlamentares, na Câmara dos Deputados o placar foi de 435 votos a favor e 6 contras, já o Senado Federal rejeitou o veto por 57 a 0.

 

O texto suspende os efeitos de qualquer ato ou decisão de despejo, desocupação ou remoção forçada em imóveis privados ou públicos até o dia 31 de dezembro de 2021. É importante dizer que a suspensão inclui ações movidas até 31 de março deste ano que não tenham sido totalmente concluídas. Já no dia 07 de outubro o PL se tornou Lei ao ser promulgado pelo Presidente da República.






















 

 

 

 

 




 


 

 

 

 

O problema habitacional no Brasil tem solução?

 

Por Ediglei Leandro e Isabela Alves


A cidade é um lugar que deve ser visto como um espaço para o desenvolvimento e acolhimento da vida. No entanto, a lógica atual de organização das cidades só é vista através da rentabilidade. 

“Acredito que enquanto essa política de habitação não for revista, acho difícil que um déficit tão grande quanto o do Brasil seja resolvido em pouco tempo. É uma visão um pouco pessimista, mas não consigo imaginar isso sendo resolvido nos próximos 50 anos. Lamentavelmente, é um problema gravíssimo e talvez seja o maior problema que nós teremos hoje”, diz Renata William Santos do Vale, mestre em História, servidora e pesquisadora do Arquivo Nacional.  

 

Para Raquel Rolnik, urbanista e autora do livro Guerra dos lugares: A colonização da terra e da moradia na era das finanças, em sua palestra TEDx, é preciso reverter a lógica do capital, pois os espaços urbanos devem estar lá para que a população usufrua. Isso significa, que a utilização do espaço não deve estar apenas subordinada ao capital, mas deve ser visto como um lugar de viver, existir e celebrar. 

“Isso exclui parte da população da possibilidade de desenvolvimento humano e social. A cidade é um artefato, uma obra coletiva, que é capaz de alimentar a alma das pessoas com oportunidades culturais, econômicas e educacionais”, diz.

 

Fernando Assad, responsável por projetos de urbanização de favelas no Estado de São Paulo no mesmo evento, a casa deve ser vista como algo muito maior do que uma necessidade básica primitiva. “É mais que abrigo e segurança física. A casa tem uma função psicológica muito importante e pode ser uma plataforma para o desenvolvimento humano, psíquico e de transformação social”, conclui. 

FUNÇÃO SOCIAL
LIDERANÇAS DO MOVIMENTO
PROJETOS DE LEI
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Foto: Assembleia Legislativa do Estado de S. Paulo, 2021

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Neste episódio, você vai entender mais sobre o tema com a entrevista da arquiteta urbana Margareth Uemura, coordenadora do Instituto Pólis e membro do BR Cidades, e o pesquisador Guilherme Lobos, do Lab Cidades e membro do Observatório das remoções.

Fotos: Arquivo Pessoal

Foto: Agência Senado 2021

A LUTA HISTÓRICA
POSSIBILIDADES
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